Os meus filhos conhecem bem a frase que lhes repito sempre que é necessário: “a vaca não dá leite”. Recordo-me bem da cara de espanto quando lhes disse isso pela primeira vez. “Não dá leite? Como assim?”, hesitaram. Mediram-me no olhar. Talvez lhes tenha passado pela cabeça que o pai estava num dos seus delírios criativos, tão comuns em quem entra num mundo imaginado da escrita e não quer sair dele, quando encontra no papel a liberdade de fantasiar uma vida diferente, uma vida “outra”.

“A vaca não dá leite”. Julgo que esta foi uma das lições mais importantes que, até ao momento, lhes transmiti. Precisei de lhes dizer isso porque eles não assistiram às privações do tempo, nem aos esforços que, por vezes, esse peso suporta. Quando o tempo não carrega esforço, não há peso, todo o querer é leviano. Ainda assim, têm vivido a testemunhar muitos dias e noites de trabalho incessante, ao “queimar das pálpebras”, como amiúde se diz. Acompanharam muitos objetivos perseguidos, uns alcançados, outros por alcançar. Mas assistiram à cara erguida para diante, sem recusar sorver o dia que se instala à sua frente.

No dia em que lhes disse que “a vaca não dá leite”, procurei que sentissem que nada nos é dado, que tudo precisa de ser trabalhado. E que muita gente deixaria de querer trocar a sua posição pela nossa se soubesse o caminho que tem sido preciso percorrer. É próprio da espécie humana: desejar o que é próximo, vislumbrar o fácil e, ao mesmo tempo, declinar o caminho e o tempo que, até lá, levou a chegar. É por isso que “a vaca não dá leite”. É verdade. “A vaca não dá leite”. É preciso que alguém se levante de madrugada, que limpe a vaca com água e sabão, para que as bactérias não contaminem o leite, posicioná-la, usar um balde lavado, lubrificar as mãos, ordenhá-la cuidadosamente, eliminar os jatos iniciais, encher o balde e carregá-lo para um local adequado. Aí sim, temos leite. E depois, repetir o mesmo todos os dias. Dá trabalho, dá muito trabalho. A vaca não dá leite, é preciso irmos lá tirá-lo!

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