Aconteceu no domingo. Um livro brotou. Quando um livro brota, há um nascimento a assinalar. Mas a sociedade há muito que deixou de festejar a nova vida. As páginas necrológicas dos jornais assinalam as partidas. É por isso que o faço aqui, em contracorrente. Uma antologia marcando vinte anos de uma carreira de um escritor é um ato próximo da insensatez. Porque são vinte anos de uma missão quase sempre tardiamente reconhecida, de noites a fio à procura da palavra única e sem arestas, de um fechamento incompreendido. Uma loucura com a qual, por solidariedade, me identifico também.

João Rasteiro reuniu em quatrocentas páginas alguns poemas que podemos encontrar nos seus quase vinte livros e ainda em textos publicados em revistas de diversos países. Chamou-lhe “Ofício”, e a capa da antologia tem a cor do sangue. Talvez a escolha da cor seja uma provocação semiótica vinda da corrente surrealista que lhe ficou tatuada. Talvez aquela série da sua poesia que inicia sempre com um ponto final descenda daí também. Licenciado em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Universidade de Coimbra, João Rasteiro é um dos escritores conimbricenses que mais tem publicado. Ele diz desassombradamente que “a poesia arquiteta as criaturas pasmadas” e fala do “verbo brotando para dentro”, provocando em nós o caos da descoberta. Desconstruindo ideias para que seja nossa a construção do sentido.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *