Reza a estória que um fotojornalista acompanhava a visita do Presidente Marcelo à noite dos santos populares de Lisboa quando, quase sem querer, fez uma das mais icónicas fotografias de que há registo. Mas já lá irei. Marcelo, que é tão devoto às festas populares quanto aos santos de Lisboa, deparando-se com uma mulher gravidíssima de nove meses, irrompe da multidão em folia e embica direito à barriga proeminente. Os olhos de Marcelo têm pontaria para as vislumbranças. Sabem causar sensações virais. Curvado sobre a sagrada barriga, beijou-a comovidamente.
Não sabemos se essa jovem desejava ter sido fotografada, mas cercada pela boca beijoqueira de Marcelo, vendo os seus lábios todos mamíferos, a luso-angolana Marina Dias não resistiu ao excesso de afeto presidencial e consta que até lhe afagou a cabeça com a mão direita.
Os analistas de serviço, como moscas que vigiam, trataram de dar significado à foto. Que foi um ato político, para chamar a atenção para a falta de médicos nas maternidades. Que foi um ato religioso, para dar relevo à vida, em detrimento da eutanásia. Que foi um ato contra o racismo, porquer a mulher é negra. Que foi um ato de populismo, apenas para dar que falar. Os analistas, que são especialistas em “tudologia”, põem os seus olhos de ver as coisas más. Umas vezes são borboletas e acham-nos a todos pesados. Outras são como os pavões e consideram-nos mal-vestidos. Outras são rouxinóis e decidem que temos voz rouca. Outras são como a águia, e veem em nós seres rastejantes.
Eu acho, sempre achei, que Marcelo é um homem espontâneo, que exerce o seu mandato com grande inteligência emocional, e que se sente bem com o estilo de coração quente e amanteigado que ele próprio criou.
Marcelo sucedeu a Cavaco. O pior que podia ter-nos calhado era outro “come-bolo-rei” como o anterior, cinzentão e amargurado. O pior que podia ter-nos acontecido era dizerem-nos: “Apresento-te o teu novo Presidente. Igual ao teu antigo Presidente”. Nos tempos que correm, é preciso alguém que faça boa cara ao mau tempo. Alguém que desinvente a tristeza em que o mundo mergulhou. Não sou um acérrimo defensor do estilo de Marcelo das selfies e dos abraços, mas reconheço que o homem não é fastidioso. Talvez precisássemos tanto dele quanto ele de nós. Por outro lado, aprendi que aquele beijo na barriga da grávida pode ter feito nascer um assomo de esperança. É que aquilo em que tocamos também nos toca. Venham daí essas beijocas.