A finitude é a única certeza. O nosso tempo tem um fim. Mas o tempo continua. O tempo parece ser infinito. Ele não cessa. Apesar de todos os avanços, de todas as tentativas, de todos os fracassos e de todos os sucessos, não conseguimos congelá-lo. Conseguimos, sim, ficar mais um pouco nele. Dizemos, por isso, que aumentámos a longevidade e que maquilhámos o envelhecimento.

Vivemos hoje mais trinta anos do que os nossos avós. Aquilo que talvez não saiba é que foram precisos 1,5 milhões de anos para vivermos até aos cinquenta. Depois, apenas cem para chegarmos aos 80 anos. O tempo da nossa permanência está a ser prolongado, com mais saúde e mais meios. Todavia, o sistema da sociedade ainda não se adaptou a esta nova ordem mundial, a esta contingência confirmada como inevitável.

Conseguimos viajar cada vez mais depressa. Fomos conquistando cada vez mais espaço: a pé, a cavalo, de carroça, de barco, de carro, de comboio, de avião, e até de foguetão. Para além disso, através da Internet, aprendemos que a vida segue online, num mundo virtual cuja era se apelida de hiper-história. Vamos fazendo com que o espaço desapareça e o tempo se torne instantâneo. Assim, abolimos a separação espacial entre lugares, tornámo-los simultâneos e imediatamente conexos.

Apesar da liberdade que aparentámos conquistar, a noção do tempo é, contudo, cada vez mais aprisionadora. Lembra-se de quando os hipermercados quiseram manter-se abertos para além das sete da tarde? Pois bem, ao cedermos, enfiámo-nos na maior encruzilhada da sociedade. Ao invés, os museus e as bibliotecas encerram às seis ou às sete. Saídos do trabalho, corremos para os compradouros, que são os lugares onde tudo está aberto até perto da meia-noite. Deixámos de lado aquilo que, até então, era importante. Demos o nosso consentimento a uma via de desumanização, que nos injeta adrenalina para conseguirmos vender o nosso tempo a troco de nos privarmos das coisas que deviam apenas para nós existir no tempo certo: a família, os amigos, o lazer, o diálogo, a leitura, a discussão das ideias. Mergulhámos todos nesta vertigem.

As crianças saem tarde da escola. O formato de ensino rouba-lhes o tempo – o único, irrepetível e incorruptível tempo de brincar. Os pais correm de um lado para o outro. Trabalham para pagar um sistema em que os filhos não podem ser crianças. Matam-se a trabalhar. Os filhos, um dia, vão matar-se também a trabalhar. E a tudo isto damos o nosso consentimento.

O tempo converteu-se num conceito capitalista. Somos medidos em anos de trabalho: quantos anos faltam para a reforma, quantos anos estivemos numa empresa, quanto receberemos de pensão mediante o tempo que trabalhámos. Julgo que, em breve, nesta ou nas próximas gerações, manifestar-nos-emos por uma nova ordem mundial. Uma ordem que restaure a dignidade humana, que nos liberte das amarras da escravidão em que se converteu este novo tempo. Uma nova era que se proponha abolir das ratoeiras o queijo que nos é oferecido no final de cada mês. Entretanto, o tempo continua a contar. Tique-taque-tique-taque.

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